junho 13, 2006

DESCRIÇÃO DO CURSO:
A disciplina está estruturada como uma introdução ao pensamento filosófico e não como uma visão histórica mais ou menos completa da Filosofia e das disciplinas que tradicionalmente lhe são atribuídas (Ética, Metafísica, Epistemologia, etc.). Normalmente estas tentativas de abordar a Filosofia a partir da história das diferentes correntes filosóficas incorrem no erro de não buscar a compreensão ampla das idéias e argumentos daqueles pontos de vista. É preferível estruturar o estudo da Filosofia em determinadas questões importantes e mais comumente tratadas, tanto na Filosofia quanto em outras disciplinas ou campos do saber. Apesar desta estruturação centrada em questões de Filosofia e não em correntes da Filosofia (Existencialismo, Marxismo, Estruturalismo, Positivismo, etc), a disciplina apresentará diferentes pontos de vista sobre os temas escolhidos como conteúdo.

A Filosofia contemporânea se constitui muito mais no debate sobre questões que possuem relevância para o mundo que lhe serve de contexto (a realidade, a psicologia, a ciência, os argumentos quando a fé e a existência de Deus, a Liberdade, entre outros) do que no estudo e analise de questões internas aos pontos de vista expressos nas diferentes correntes filosóficas. A característica importante da Filosofia e de seu estudo, é que o ensino da Filosofia está intimamente ligado à concepção do que seja a Filosofia. Assim, um filósofo que compreenda a Filosofia com uma "luta" entre diferentes concepções ou teorias, ensinará Filosofia a partir de teorias. O ponto de vista que dá origem à estruturação desta disciplina concebe a Filosofia como um debate sobre temas e não como a construção de Teorias. Portanto, o ensino de Fundamentos Filosóficos terá como centro o estudo das questões relevantes da Filosofia.

Assim, o intuito principal ao elaborar o programa da disciplina foi de selecionar alguns temas que servem como exemplos característicos e que ilustram a forma como os filósofos, e os que estudam Filosofia, formulam suas questões, investigam estas questões na busca de possíveis respostas e apontam para outros problemas relacionados. Conseqüentemente, serão apresentadas algumas questões que lidam com conceitos importantes do trabalho filosófico e que possuem aplicação em obras da Filosofia e da Cultura em geral.

O objetivo central da disciplina é o aprendizado do uso de conceitos da Filosofia e da significação de conceitos filosóficos fundamentais através de textos selecionados.

JUSTIFICATIVA:

_Considerando que a sociedade contemporânea constitui-se através da discussão de caminhos e trajetórias compartilhadas e que estas mesmas trajetórias e caminhos possuem um contexto de idéias e argumentos, a Filosofia por se constituir na analise e compreensão de argumentos e idéias se torna um tema importante na construção de qualquer profissão.

_Considerando que estudo da Filosofia permite que as pessoas que a ele se dedicarem, ainda que de maneira introdutória, possam considerar de maneira crítica as idéias e valores que estão disseminados na sociedade e no ambiente acadêmico.

_Considerando que o estudo das discussões filosóficas apenas é possível através do trabalho direto com os textos onde tais discussões são elaboradas e criticadas, assim, o estudante de Filosofia poderá adquirir instrumentos que lhe permitam considerar suas próprias questões segundo critérios de racionalidade e crítica argumentativa.

_Tendo em vista que a Filosofia é um estudo que fornece a oportunidade de adquirir práticas e técnicas que ajudam na leitura de textos, na prática de escrever pequenos ensaios e na comunicação oral; os estudantes de Filosofia poderão adquirir um ponto de vista mais amplo sobre as diversas questões que futuramente venham a discutir ou empenhar-se.

_A Filosofia é uma disciplina que estimula nos (as) alunos (as) o desenvolvimento do pensamento argumentativo além de envolvê-los (as) num diálogo disciplinado que visa a consideração de cada ponto de vista segundo os méritos argumentativos que estes apresentam.

_Além disto, a Filosofia, dada sua maneira de considerar os temas aos quais se dedica, permite aos (as) alunos (as) que desenvolvam e exercitem sua capacidade de pensamento independente e crítico.

OBJETIVOS.

O objetivo principal do curso é proporcionar aos alunos (as) os instrumentos básicos para compreensão de textos de Filosofia através do estudo de questões centrais da Filosofia.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS.

_Adquirir uma visão perspectiva sobre os problemas e questões centrais da Filosofia.

_Adquirir um conjunto de práticas e técnicas de leitura, comunicação oral e elaboração de textos escritos que permitirão aos (as) alunos (as) interagir nas discussões de cunho filosófico, tanto em aula quanto fora dela;

_Aprender suficientemente sobre seus próprios interesses filosóficos e sobre seu estilo próprio de argumentação, a fim de tornar suas necessidades acadêmicas e preferências teóricas claras.

_Adquirir e demonstrar habilidade para discutir e analisar textos filosóficos de diferentes maneiras, as quais incluem:

(a) Habilidade para discutir leituras exigidas em sala de aula em termos e conceitos básicos.

(b) Habilidade para identificar teorias, pontos de vista e conceitos gerais.

(c) Habilidade para a compreensão dos textos acadêmicos, tanto da Filosofia quanto de outras áreas do saber.

(d) Habilidade para explicar e discutir argumentos e pontos de vista de maneira clara e precisa.

CONTEÚDOS

1. O que é Filosofia.

2. Conhecimento.

3. A Verdade.

4. O mundo Material.

5. Questões filosóficas quanto á Mente Humana.

6. Relações Filosóficas entre Mundo Externo e Mundo Interno.

7. Noção Filosófica de Causa.

8. Liberdade Humana.

Para cada conteúdo discriminado será apontado um texto específico para leitura como preparação para as aulas. Os textos selecionados são os seguintes:

Texto 1 "O que é Filosofia e Por Que Vale a Pena Estudá-la", A.C. Ewing.

Texto 2 "As Alegações da Metafísica", A.J. Ayer.

Texto 3 "Significado e Sentido Comum", A.J. Ayer.

Texto 4 "A Matéria", A.C. Ewing.

Texto 5 "Meditações" I e II, Renato Descartes.

Texto 6 "A Mente", A.C. Ewing.

Texto 7 "Corpo e Mente", A.J. Ayer.

Texto 8 "As Alegações da Teologia", A.J. Ayer.

Texto 9 "Deus", A.C. Ewing.

Resenhas: São apresentações resumidas de determinado ponto da argumentação do autor estudado. Por exemplo, qual o argumento discutido num determinado texto e quais os pontos de vista desenvolvidos sobre o mesmo.

Textos: Constituem-se na discussão escrita de determinado ponto de vista apresentado por um autor, mas sob o ponto de vista particular de cada aluno (a)

Trabalhos: São questões apresentadas pelo professor e que dizem respeito ao argumento discutido em determinado texto. As questões exigem que o (a) aluno (a) responda segundo as idéias do autor do texto e não sob seu ponto de vista pessoal.

Discussão de Tópicos: O exercício Constitui-se na indicação de determinado argumento de um autor estudado e a apresentação de pontos de vista contrários e favoráveis. Podem ser criados grupos que se dividirão na tarefa de criticar ou defender determinado ponto de vista. Tanto a defesa quanto a crítica são elaboradas segundo o ponto de vista pessoal de cada grupo envolvido.

Avaliação Final: É o exercício acadêmico de responder a determinadas questões sobre textos trabalhados em aula. A avaliação final será individual.

OBSERVAÇÕES

Contrariamente á opinião corrente, o estudo da Filosofia requer algumas práticas específicas que demandam exercício a fim de que seu estudo seja eficiente. A seguir apresentam-se alguns requerimentos:

Linguagem. Em qualquer encontro com os textos de Filosofia um dos maiores entraves é a linguagem utilizada pelos filósofos. Sob tal aspecto a linguagem da Filosofia tende a ser mais terminológica e conceitual que a linguagem literária ou ordinária. Devido a esta necessidade de empregar conceitos restritos que a linguagem da Filosofia se torna mais difícil em um primeiro contato. O primeiro passo visando diminuir este entrave é o uso do dicionário para clarificar o significado das palavras que são empregadas, especialmente aquelas que possuem status terminológico (Realidade, Mundo, Mente, entre outras). O próximo passo é buscar desenvolver corretamente estes conceitos no contexto filosófico em que aparecerem. Tendo em vista que este curso/disciplina trabalha sobre textos específicos de Filosofia, pode-se afirmar que é uma introdução à linguagem da Filosofia.

Leitura. Ler um texto de Filosofia é algo muito diferente de ler um texto literário (apesar de que alguns filósofos escreveram diálogos). No caso da Filosofia a rapidez e a quantidade de leitura, não significam "qualidade de leitura". Ao contrário, talvez impossibilitem a correta compreensão dos problemas estudados. Assim, é bem melhor ler pausadamente, ler menos, mas ler melhor. Ao mesmo tempo, a função deste curso/disciplina é auxiliar os (as) alunos (as) na tarefa de ler criticamente os textos de Filosofia, com este objetivo forma escolhidos textos de poucos autores, mas que tratam de diferentes problemas com diferentes pontos de vista. A tarefa do professor é auxiliar os (as) alunos (as) nas explicações terminológicas, contudo cabe ao (a) aluno (a) elaborar suas próprias anotações a partir de uma leitura individual.

Escrita. Escrever é uma das técnicas da filosofia que possui o mesmo valor que uma boa exposição oral. Atualmente, com as inovações da Internet, a escrita se tornou preponderante. Escrever sobre Filosofia requer, preponderantemente, análise. Ao escrever seus próprios pensamentos ou questões estudadas o (a) aluno (a) terá oportunidade de avaliar e considerar a validade do argumento que está estudando. Assim, espera-se dos (das) alunos (as) que a leitura produza anotações, estas anotações serão importantíssimas em sala de aula. Algumas observações pontuais que poderá auxiliar na leitura dos textos indicados:

[a] Mantenha-se atento (a) apenas à questão central do texto (por vezes os filósofos iniciam uma discussão apresentando seu objetivo no texto, ms incluem tantos exemplos e exploram tantas possibilidades que o leitor perde o "fio da meada").

[b] Esforce-se ao máximo para compreender e explicar o texto, apenas depois de ter certeza de que compreendeu as etapas do texto, apresente sua opinião ou crítica.

[c] Sempre forneça razões para sua discordância ou concordância com o autor.

[d] Quando analisar um argumento tente considerar caminhos alternativos, novos cenários para o mesmo (seja seu ou do autor).

junho 09, 2006

A Natureza da Filosofia*.

O que é filosofia?

Freqüentemente são dadas duas respostas à pergunta “o que é filosofia?”.Uma é a resposta que afirma ser a filosofia uma atividade em lugar de uma teoria[1]. Em outras palavras, você faz filosofia em lugar de aprender alguma teoria sobre o que é a filosofia. A outra resposta é a de que a Filosofia é, em grande parte, uma questão de análise conceitual – ou seja, você está pensando sobre pensar, está pensando sobre os conceitos que utiliza ao pensar. Ambas sugestões contêm alguma verdade, mas ambas são insatisfatórias, tendo em vista que não dão nenhuma idéia do conteúdo da filosofia. Ou seja, não há nada de errado em dizer “Filosofe!”, ou “analise os conceitos!”, mas filosofar sobre o quê e de que modo; analisar que conceitos e como fazer está análise? O modo mais direto de ver o que é a filosofia está, aproximadamente, no considerar os tipos de perguntas que os filósofos pensam que são importantes e como eles continuam a lhes responder[2].
O que é comum a todas estas perguntas é que elas são perguntas que só podem ser respondidas através da argumentação[3]. Em outras disciplinas, há vários modos de descobrir respostas a perguntas – através do estudo da natureza ou através de manuscritos antigos, elaborando experiências ou pesquisas, construindo um certo tipo de aparato científico em laboratório, ou um modelo da realidade que se pretende compreender, ou através de uma simulação em computador. Em geral, estas questões são o que pode ser denominado por “investigações empíricas”. Os resultados destas investigações - descobertas novas, dados novos, fatos novos - serão freqüentemente, pertinentes à filosofia. Isto é, os filósofos se interessarão por estas descobertas empíricas. Contudo, nenhuma investigação empírica fornecerá as respostas para as perguntas filosóficas.

Algumas perguntas filosóficas.

Vamos olhar primeiramente para os tipos de perguntas que os filósofos consideraram interessantes e então poderemos ver como eles tentaram responder as mesmas.
# Nossos sentidos, de visão, toque, audição, gosto e cheiro, nos apresentam um verdadeiro quadro do mundo ao nosso redor?

# Todo evento tem uma causa? Se todo evento tem uma causa, este fato é incompatível com a possibilidade de fazermos escolhas livres?

#Cada um de nós tem um corpo composto de carne e ossos, e nós também temos uma mente; é nossa mente[4] separável de nossos corpos (podemos ter nossas mentes sem, contudo, termos nossos corpos)? Sabemos que nossas mentes e corpos interagem. Se for assim então como se dá esta interação?

# Nós observamos certos padrões e regularidades no mundo que está ao nosso redor. Com base em tais experiências, essencialmente limitadas, nós elaboramos experimentos e propomos leis de natureza. Estas leis nós tomamos como sendo universais, isto é, as aplicamos sobre a totalidade de objetos que existem na infinidade do espaço e na eternidade do tempo. Realmente, talvez nós pretendamos que nossas leis também se aplicam além desta nossa realidade limitada, isto é, para possíveis objetos em universos paralelos. Ora, o que pode justificar tal reivindicação?

# Quando nós julgamos que alguém fez algo moralmente bom (ou ruim), fazemos mais que apenas expressar nossa própria visão pessoal? A Moralidade pode consistir em alguma coisa diferente do que meras opiniões subjetivas?

# É dever do governo tentar reparar os desequilíbrios entre os níveis de riqueza e pobreza dentro da sociedade ou falta a qualquer tipo de governo a legitimidade para fazer isto? Então tal tentativa de compensar a distribuição de riquezas é moralmente equivalente a aceitar a moral da escravidão?

Alguns pensamentos iniciais sobre estas questões.

A razão de não podermos responder estas perguntas através de observações empíricas ou experiências empíricas difere em cada caso. Por exemplo, se nós duvidarmos de nossos sentidos[5], o que iremos utilizar como critério para os conferir? Nós desenvolvemos todos os tipos de instrumentos capazes de fazer nossos sentidos mais precisos e nossas medidas mais apuradas, mas nós confiamos nos nossos sentidos para ler estes instrumentos. Em todo caso, se nós duvidamos de que nossos sentidos nos dão evidência suficiente para que acreditemos que objetos materiais realmente existem, então nós devemos duvidar da existência dos próprios instrumentos (isto é, tendo em vista que não acreditamos em nossos sentidos e sendo os instrumentos objetos materiais externos, então, assim como duvidamos da existência dos objetos também deveremos duvidar da existência dos instrumentos). Quando nos perguntamos se todos os eventos têm causas, nós podemos produzir exemplos de eventos que possuem uma causa (embora os filósofos questionem até mesmo isto), mas nós não podemos observar que todo evento tem uma causa. E se isto realmente é o caso, isto é, que todo evento tem uma causa, que experiências poderiam ser elaboradas para mostrar que isto poderá ser compatível com a livre vontade? Nossas ações podem parecer fruto de escolhas livres, mas se este sentimento de liberdade fosse uma ilusão, como nós descobriríamos que não é deste modo?
Até agora eu argumentei sobre os diferentes modos pelos quais as perguntas filosóficas não podem ser respondidas. Ainda, o que aborrece as pessoas que são iniciantes na filosofia, ao que tudo indica, é o fato de que deveríamos fazer, desde o começo, perguntas e respostas produtivas, isto é, perguntas que possamos responder e respostas nas quais possamos confiar. Primeiro, e é por isto que a filosofia foi descrita como análise conceitual, podemos tentar clarificar o que queremos dizer através dos conceitos que usamos. Assim, quando dizemos que determinado evento causa outro, queremos dizer que a causa tem algum tipo de poder sobre o efeito? Que tipo de força (ou necessidade) a causa pode exercer sobre um “ato livre?” É o “ato livre” um ato que não é afetado pelos eventos que o precedem?
Uma das primeiras coisas que nós aprendemos em filosofia é que o modo de responder determinadas questões que no princípio pareciam isoladas, de fato, levantam outras questões que não eram nosso objetivo primeiro. Por exemplo, pense como nós poderíamos explorar o que é significado pela palavra “causa”. Talvez compreendamos melhor a situação se começarmos pela consideração de um exemplo direto. Por exemplo, a sucessão de eventos que ocorrem quando uma bola de bilhar colide com outra. O que observamos na verdade em tais casos? Vemos um evento que causa literalmente o próximo ou nós não vemos nada além de uma sucessão de eventos? Isto nos leva de volta a pergunta com que começamos: o que podem nos dizer os nossos cinco sentidos sobre o mundo que nos cerca?
Quando vemos os eventos ocorridos nos choques entre as bolas de bilhar, nós também vemos causas destes eventos? Se nós não conseguimos, literalmente, ver uma causa em quaisquer eventos sucessivos, como sabemos sobre isto? Nós deduzimos isto? Se for um assunto de saber fazer inferências, a inferência de que há uma relação causal entre eventos é uma conclusão justificada? Considere, por exemplo, a questão quanto às relações entre pensamentos e corpos. Os sucessos científicos resultantes da teoria de Newton encorajaram a ver o mundo como um quadro do universo segundo um sistema de partículas em movimento constante e, no qual, a idéia de que todo evento tem uma causa é uma suposição natural. Mas onde as mentes se ajustam em tal um universo? Mentes também fazem parte do padrão de causa e efeito? Eventos mentais também têm causas e efeitos? E, nesse caso, estas causas e efeitos se restringem apenas aos eventos mentais entre si ou elas (as causas) podem se estender a eventos físicos? Se as interações mentais não podem ser iguais às interações físicas, que tipo de interações são elas?
Pode não ser óbvia a ligação entre estes questionamentos e suas relações com julgamentos morais ou deveres políticos. Ou seja, há conexões que relacionam perguntas sobre causação e a confiança em nossos sentidos com nossos julgamentos morais. Assim, se toda ação é causada, e se este fato é incompatível com a nossa “vontade livre” onde a moral fundamenta seus julgamentos? Se nós tratamos ações humanas como eventos, como qualquer outro tipo de evento, estas ações se tornam objetos não passíveis de julgamento moral?
Ainda, se fazer um julgamento moral é um evento mental causado por eventos outros eventos que o precedem, então, isto implicará que devemos assumir que um julgamento moral é simplesmente outro fato? Assumindo que os julgamentos morais são, por outro lado, avaliações, então a habilidade para que façamos avaliações corretas depende de saber alguns outros fatos que precedem a avaliação. Mas como nós descobrimos os fatos? Nosso conhecimento é baseado no que vemos, ouvimos, tocamos, etc..? Nesse caso então, qualquer dúvida que lancemos quanto à capacidade de nossos sentidos nos fornecerem conhecimento do mundo também será responsável por duvidas sobre a nossa habilidade para fazer julgamentos morais, e políticos. O último questionamento de nosso conjunto original de perguntas também permite outras questões paralelas. Se julgamentos morais não são a expressão de opinião pessoal, então em que são fundados? Como nós descobrimos o que é bom ou o que nosso dever? Nós descobrimos estas coisas por algum tipo de senso moral (análogo ao modo pelo qual descobrimos sobre objetos no mundo usando os sentidos da visão, audição, etc.), através de um processo de argumentação ou de algum outro modo?
Quando fazemos perguntas filosóficas, Invariavelmente, somos conduzidos a outro conjunto de perguntas paralelas. Para acrescentar às dificuldades, não há nenhuma fundação sólida sob a qual possamos começar a construir as respostas. A Filosofia comumente pergunta por convicções que nós, normalmente, tomamos como garantidas. A Filosofia pode até mesmo questionar o nosso processo de argumentar. É difícil começar a responder uma pergunta quando nada pode ser levado como garantido. Talvez isto também se acrescente à excitação de fazer filosofia!

Que tipo de conhecimento a filosofia produz?

Se as perguntas filosóficas só podem ser respondidas através da argumentação, a filosofia pode ser buscada independentemente de um estudo do mundo? Historicamente, este não foi o caso. Muitos filósofos do passado não estavam engajados puramente, ou até mesmo em alguns casos principalmente, com a filosofia. Descobertas científicas fomentam especulação filosófica[6], enquanto que a confusão teórica na ciência cria a demanda por análises filosóficas. O fato de existir tal relação entre ciência e filosofia é um assunto contingente (ou seja, a relação entre a ciência e a filosofia não estão bem esclarecidas). Esta observação poderia provocar uma pergunta mais profunda: é possível chegar a algum conhecimento sem confiar em nossos sentidos? O conhecimento que nós obtemos através da experiência é chamado “conhecimento empírico”.
O conhecimento que é independente de experiência[7] dos sentidos é “a priori”. O conhecimento de que a cor preta é preta é um conhecimento de priori; pode ser obtido independentemente de nossos sentidos, isto é, quando nos falamos de coisas que são pretas ou até mesmo da experiência de qualquer coisa preta. Nossos sentidos nos dizem, por exemplo, que a grama é verde, mas nós não temos que observar qualquer coisa para saber que preto é preto. (Se nós podemos entender a oração que expressa a verdade de que preto é preto sem qualquer experiência é outro assunto.) Outros tipos de um conhecimento “a priori” são possíveis? Se a resposta é “sim”, nós teríamos de recorrer à filosofia para obter este conhecimento.

Três áreas principais da filosofia

Há muitos modos de dividir as áreas de estudo da filosofia. Nenhum deles é completamente satisfatório, uma vez que sempre existirão tópicos que ultrapassam as divisões corte ou que não se ajustam nitidamente nas divisões elaboradas. Começaremos a adquirir uma idéia melhor da extensão da filosofia considerando as seguintes grandes áreas.
Primeira área: Metafísica. Esta área da de filosofia em que lidamos com a natureza última da realidade. A realidade cotidiana é real? Se não, qual é a natureza última da realidade do mundo das aparências (do mundo tal qual nós o vemos)? Qual é a natureza do mundo submetido às limitações do espaço-tempo dentro qual nós e os objetos ao nosso redor existimos? Dado que algo existe, por que isto existe e não qualquer outra coisa? Por que há mudança? Como pode ser que exista permanência e mudança? As coisas que existem estão divididas em apenas dois tipos[8] diferentes: mente e corpo? Se há mentes e corpos divididos em objetos diferentes, podem existir mentes sem corpos? Existe um Deus?
Segunda área: Epistemologia. Aqui a preocupação está em saber se e como o conhecimento de realidade é possível. Quais são os limites do nosso conhecimento? Podemos confiar na percepção pelos sentidos para nos dizer o que o mundo realmente é e como ele é? Há uma realidade incognoscível que estaria par além do que aparece? A ciência nos dá conhecimento de uma realidade mais profunda? A ciência nos dá conhecimento? Nossas forças de argumentação nos dão conhecimento? Nossas forças argumentativas podem corrigir os erros poderiam surgir pelo conhecimento obtido por meio dos sentidos? Existe outra fonte de conhecimento, por exemplo, aquelas que nos permitiriam perceber valores ou conhecer a verdadeira natureza de Deus?
Terceira área: a Moral e a Filosofia Política. Estas áreas tratam de compreender como nós administramos a nós mesmos dentro do mundo. Existe alguma coisa que possa guiar nossa conduta? Nós deveríamos seguir nossos sentimentos? Pode nossa razão nos dizer o que é certo e errado? Poderá nossa razão nos dizer quais as instituições políticas que devemos construir? Temos obrigações para com as instituições que existem na sociedade na qual nos encontramos? Os únicos valores que podem existir são aqueles que nós, como indivíduos, criamos para nós mesmos?
Há, é claro, outros modos de dividir o assunto. Como veremos alguns esquemas incluem a epistemologia como parte de metafísica. Alguns separam a Moral da Filosofia Política. A Lógica[9] aparecerá, freqüentemente, como um campo separado da filosofia. Uma análise mais detalhada produziria muito mais campos da filosofia, alguns dos quais são altamente especializados. A divisão anterior não pretende definir a filosofia, mas simplesmente fornecer um quadro amplo que pode ser refinado em momento posterior. A ordem na qual as três áreas foram dividas pode sugerir uma ordem de prioridade: o que há, o que nós podemos saber sobre o que há, e o que nós podemos fazer sobre isto (que há).
Um momento de reflexão mostrará que isto é muito simples. Por exemplo, como podemos formular as perguntas sobre aquilo que há sem investigar os limites de nosso conhecimento primeiro? É não corremos o risco de fazer reivindicações grandiosas sobre a realidade última[10] e, após, descobrir que não temos nenhum modo de saber o que tal última realidade é ou até mesmo se existe uma realidade última? Por outro lado, podemos acreditar que as questões sobre a moral e política são as que deveriam ser respondidas em primeiro lugar, considerando que elas são as mais urgentes. Nós podemos adiar as considerações sobre a realidade última, considerando que nós não podemos adiar uma decisão quanto a alguém que apresente uma doença terminal e que pede para ser liberto do sofrimento. Mesmo assim, nós poderíamos considerar que nossas respostas para tal questionamento podem ser nada mais que provisórias.
Por outro lado, mesmo esta consideração (de que as questões morais e políticas são as primeiras a serem respondidas) teria que ser revisado se fossemos convencidos através de argumentos que mostrassem que os valores são subjetivos ou que há um Deus (quando previamente nós pensamos que valores eram objetivos ou que Deus não existia). O melhor que podemos dizer é que as três áreas são interdependentes entre si e as respostas que nós obtemos a perguntas em uma área afetam as respostas a perguntas nas outras áreas.

Uma explicação do termo “metafísica” ou meta-atividades.

Um pouco mais precisa ser dito a respeito do termo “metafísica”. O prefixo “meta'” tem o significado de ”depois” ou “além” e é freqüentemente usado na filosofia para indicar o que se chama uma atividade de segunda-ordem- uma atividade que, em geral, busca compreender o vigamento no qual uma atividade de primeira-ordem acontece. Por exemplo, matemática envolve provas de um tipo ou outro; meta-matemática, no outro, envolve o estudo de sistemas lógicos formalizados que buscam compreender o que é uma prova qualquer na matemática. Da mesma forma, enquanto a ética trabalha com o que é certo e errado, as meta-éticas tratam do significado de “certo” e “errado”. Um “meta” assunto opera em um nível mais alto de abstração e generalidade que o próprio assunto.

Destas considerações, o termo “metafísica” parece um apropriado. Considerando que a Física (junto com as outras ciências) transaciona com as interações entre objetos do mundo ao redor de nós, a metafísicas elabora perguntas mais gerais. Como por exemplo, por que há algo em lugar do nada, se a causação é uma conexão necessária, e assim por diante. O termo “metafísica” também foi usado com pretensões muito mais amplas, por exemplo a elaboração de sistemas que pretendem descrever uma realidade que é além da nossa e que transcende (ultrapassa) a experiência cotidiana. Tais sistemas transcendentais (ou, mais precisamente, transcendente) foram criticados por reivindicarem conhecimento quando, de acordo com os críticos, nenhum conhecimento era possível.
Há uma visão muito mais mundana do significado de “metafísica”. A “metafísica” era o título dado na Idade Media para um conjunto de obras elaboradas por Aristóteles. Aristóteles dividiu a Ciência (ou conhecimento) em dois campos, Teórico e Prático. A Ciência teórica seria mais adiante subdividida em Matemáticas, Físicas, e o que Aristóteles denominou Filosofia Primeira.O editor posterior destas obras de Aristóteles (chamado Andrônico de Rodes) colocou a seção da Filosofia Primeira depois da seção da Física, e esta seção ficou conhecida como a “metafísica” simplesmente porque veio depois da Física[11]. Este nome foi transferido então para tema das obras, para seu conteúdo. Para Aristóteles, a metafísica envolve duas áreas: a ontologia e a epistemologia. A Ontologia trata de assuntos relacionados gerais relacionados com a existência, inclusive a existência de Deus, e com os processos de mudança, causação, etc.
A Epistemologia está relacionada com o conhecimento: a estrutura do conhecimento, suas origens, o alcance do conhecimento, e as limitações que o conhecimento pode ter. A Epistemologia tem sido descrita como um dos três campos principais da filosofia ao lado da metafísica e, contudo, distinto dela. O que é deixado de lado, quando epistemologia é afastada da metafísica são vários e diferente tópicos, conectados de maneira tênue. Assim, enquanto a área de epistemologia está claramente definida, na metafísica temos muito mais um conjunto de tópicos.
Quando uma maior ênfase veio ser colocada em temas da Epistemologia as discussões metafísicas pareciam para alguns filósofos totalmente divorciadas da realidade cognoscível. Assim, o termo “metafísica” possui conotações negativas[12]. Por exemplo, Hume sugere que nós devemos lançar os escritos de metafísicas às chamas. Mais recentemente as reivindicações metafísicas foram tomadas como sendo tolice - porque eles não são verificáveis, era pensado que a elas faltava qualquer significado. Wittgenstein, nas Investigações Filosóficas, discute isso: os filósofos são enganados ao pensarem que elaboraram perguntas com significado e produziram respostas significativas para as mesmas. De fato, eles apenas usaram palavras fora do seu contexto normal. Desta forma as perguntas e respostas pareciam importantes, mas de fato, elas apenas careciam de sentido[13]. Ele viu a tarefa sua como a de remover esta fonte de confusão filosófica através do exercício de “trazer as palavras do uso metafísico para o uso cotidiano” (parágrafo 116). Apesar destas críticas, Hume e Wittgenstein lidaram com perguntas metafísicas, e alguns dos tópicos dentro da metafísica estão entre o mais interessantes e mais profundos da filosofia.
*Texto traduzido e adaptado por Arturo Fatturi a partir da página de Internet da Open University de Londres, Reino Unido.

NOTAS
[1] Por Teoria o autor pretende significar [1] conjunto de princípios fundamentais de uma arte ou ciência; [2] doutrina ou sistema a respeito destes princípios; [3] opiniões sistematizadas; ou seja, a filosofia tal como era ensinada nos primórdios da Universidade e que tinha sua validade apenas como “explicação” de certas idéias Teológicas. A Filosofia, assim ensinada, constitui-se na apresentação de uma quantidade de Teorias e/ou determinadas obras selecionadas com um fim não-filosófico.
[2] Aqui surge mais um problema que diz respeito ao ensino da Filosofia: ou o professor escolhe algumas obras segundo a importância das mesmas, ou indica certas obras com vistas a determinada Teoria da Filosofia. No presente caso o autor elaborou uma lista de questões importantes e que são relevantes para o dia-a-dia de qualquer estudante.
[3] Por argumentação deve-se entender a busca de compreensão sobre determinado tema através do questionamento racional, da dedução, das conclusões que se pode retirar de determinadas afirmações. Argumento significa: idéia ou tese que é expressa através da linguagem e considerando as relações entre as diversas afirmações que constituem a mesma. Por exemplo, a frase “Todas as pessoas boas são morais” é apenas uma frase, mas passará a fazer parte de um argumento se lhe acrescentamos outras frases que tentam provar que ela é verdadeira.
[4] Mente designa, atualmente, o que antes se denominava “alma” ou “espírito” numa acepção n
[5] Um questionamento radical quanto a possibilidade dos sentidos nos fornecerem algum conhecimento sobre o mundo, realidade, que nos cerca foi proposto pelo filósofo René Descartes no Séc. xv. Este questionamento foi transformado para conceitos contemporâneos pelo filósofo americano Hilary Putnam e foi passado para o cinema no filme “The Matrix”.
[6] Este é o caso recente da Ciência Cognitiva. Quando os computadores se popularizaram, alguns filósofos compararam a mente humana ao software do computador e o hardware ao órgão denominado cérebro.
[7] O termo “a priori” foi introduzido na terminologia filosófica por Emanuel Kant. Kant pretendia provar que o mundo é construído por nós, segundo as potencialidades de nosso entendimento. Ora, o entendimento deveria conter algumas estruturas anteriores a qualquer experiência para poder construir a experiência possível. Assim, todo conhecimento que não possui como fonte a experiência é denominado a priori. Pense na afirmação “todo corpo tem uma extensão”. Para ver que é um conhecimento a priori, tente pensar num objeto que não tenha comprimento, largura, profundidade, espessura.
[8] Este problema é atual e uma questão central para a Filosofia da Mente. Se nós temos “mente” então esta deverá ser diferente do corpo, do contrário seria o próprio corpo. Mas, se é diferente então de que coisa ela é feita? De que tipo de material? Os animais não têm mente? Por qual razão podemos lhes atribuir mente? Por qual razão não podemos dizer que um gato tem mente?
[9] Lógica é um campo da Filosofia que busca formalizar o conhecimento através de fórmulas resumidas. Surgiu com Aristóteles e desenvolveu-se em dois ramos Formal – elabora uma formalização dos argumentos que buscam ser verdadeiros; Informal – tenta compreender a maneira como usamos nossa linguagem através do exame da linguagem natural, sem formalização. A Lógica Informal utiliza-se da Retórica.
[10] A expressão “realidade última” indica na Metafísica o seguinte: o quê realmente existe e do qual todas as coisas fazem parte?
[11] No Grego meta ta physica.
[12] Ou seja, chamar um filósofo de “metafísico” pode ser uma ofensa. Você estaria afirmando que as idéias e argumentos deste filósofo são meras especulações. Por outro lado, não foi sempre assim. Havia na literatura Inglesa um grupo de poetas denominados “poetas metafísicos” tendo em vista que sua poesia tratava de questões sobre o que é deus, amor, ser humano, realidade, etc.
[13] Por exemplo, quando os filósofos se perguntam sobre a existência da alma, ou quando constroem teorias sobre o que é a Realidade.

fevereiro 20, 2006


Figura clássica do Filósofo. Notar os manuscritos e os objetos na parede do fundo da sala: uma cruz e uma caveira, isto é, o que importa para a vida e o fim da vida. A filosofia está sempre neste limite.